terça-feira, 31 de maio de 2016

Cadê o direito?



A poucos dias só se fala da notícia do "estupro" coletivo de uma adolescente de 16 anos, dos áudios que mostram que ela "queria" e dentre outras tantas fofocas/notícias que são exploradas pela mídia.
Recentemente o jornal publicou uma manchete enorme com a foto de 4 acusados, dentre eles um que havia "apenas" divulgado o vídeo, e louvava a troca de delegado nas investigações.

A internet parece ter sido tomada por uma onda de pessoas que falam da necessidade de se falar da "cultura do estupro", como se essa cultura não fosse formada pelas próprias mulheres que valorizam os bailes funks, e a objetificação da mulher.

Eu me pergunto, se eu falar que o del. Alexandre Thiers estava certo ao dizer que "SÓ o exame de corpo delito não caracteriza se houve ou não estupro".
Ser diligente e lembrar que existe a "presunção de inocência" em nosso direito não significa dizer que ele arquivou as investigações com a conclusão de que não havia estupro. Mas o trabalho diligente apenas o levou a ser afastado, afinal cautela não faz manchete!

Olho com estranheza o poder mediúnico da Mídia de conseguir condenar antes do fato noticiado ser devidamente investigado!
Estranho ainda a manifestação de convencimento da delegada substituta em tão pouco tempo sem nem ao menos diligenciar a respeito!
 

A manifestação no tanque e a voz de diversas pessoas da comunidade dizendo que "orgia não é estupro" simplesmente são caladas pelo grito do mais forte!
 

A realidade da favela e dos bailes funks são simplesmente ignoradas! Pergunto sobre o caso as pessoas que comigo andam amassadas nos BRTs, nos ônibus e trens de cada dia e noto que os mais próximos com a realidade estampada falam contra o desejo de condenação que vem sendo aclamado a qualquer custo pela sociedade.
 

Como advogada, entristece-me ver que neste caso não há defesa capaz de afastar a marca e o veredito já dado pela mídia, e mais do que isso: choco-me com colegas de profissão que agem da mesma forma, esquecendo-se dos ditames da profissão!
 

As bandeiras já foram levantadas e esses 30 já estão condenados independentemente do processo, e ao final a realidade dos "paredões do funk" continuará envolta pela névoa da indiferença social!

É crime divulgar o vídeo íntimo: sim!
Então os julguem por isso!
É crime ter relações com menor de 18: sim!
Então os julguem por isso!
Mas não lancem o estigma de estuprador antes de terem certeza!

Joguem as pedras que quiserem, mas continuo acreditando que a condenação sumária midiática não é a saída que devemos procurar!

terça-feira, 11 de agosto de 2015

11 de agosto, o Dia do Advogado



Hoje, perguntei para a minha sócia no escritório o que vendemos. Ela respondeu de pronto “esperança. Meu objetivo era definir nosso público alvo para uma estratégia de marketing, no entanto, isso me fez refletir.
Quando o cliente entra no escritório, ele busca três coisas, solução; vingança e/ou esperança. Em ações de natureza indenizatória, a pessoa diz para o advogado “eu quero justiça”, mas sabemos que, entre as linhas, está a mensagem “eu quero me vingar dessa pessoa que me causou mal”. Ele então paga pela esperança de ver o mal, supostamente injusto, reparado.
A verdade é que nós não podemos vender diretamente vingança ou solução para um determinado problema, pois o julgamento de qualquer demanda não depende apenas da atuação de um advogado, mas de diversos atores em um teatro social com rígidos regulamentos e diversos interesses. Assim, o único produto que realmente podemos oferecer é esperança.
Hoje, dia 11 de agosto, Dia do Advogado, reflito, sozinho à mesa, que múnus público é esse que temos? Que responsabilidade social é essa de promover a justiça? Advogar, do latim ad rogar, que significa “pedir (ou falar) por alguém”, não é vender soluções, promover a justiça nem, tampouco, proporcionar vingança. Advogado é um corretor de esperanças.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Proteção do Patrimônio do Novo conjugê

Olá a todos!
Recentemente foi publicada a Lei nº13.114/2015 na tentativa de resolver um problema que a muito assolava os novos casais.

Imagine que Maria casou-se pela primeira vez com João, que já possuia um filho de outro casamento. O casal adquiriu uma casa nova para iniciar a vida conjugal, porém João é devedor de alimentos ao seu filho do primeiro casamento.  Antes em eventual execução da dívida de alimentos os bens do casal acabavam ficando comprometidos, e Maria arcava com uma dívida que não era sua, uma vez que não havia a ressalva prevista na lei de proteção ao bem de família.

Essa nova lei prevê que apesar do bem de família não poder ser alegado para pensão alimentícia, os direitos do coproprietário (Maria) sobre o bem devem ser respeitados, não podendo ser penhorada a parte referente a Maria.

Note porém, que se ambos forem devedores de alimentos para o mesmo alimentado, essa ressalva não se aplicará.

Essa é uma novidade que poderá ser cobrada em provas, além de ser uma boa informação para todos!!

Abs,

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Direito do Trabalho - CLT Remissões e Dicas de Blogs Jurídicos.

Olá Pessoal,
estudando um pouco de Direito do Trabalho acabei achando esse blog que tem diversas remissões e Oj como referência artigo por artigo da CLT.

Outros sites que frequento para estudo é o "Estudo Direcionado", que traz várias dicas e informativos, e um excelente, que você recebe o material por email é o "Dizer o Direito".

Todos esses sites valem a pena conferir. E fica a dica para quem está estudando para concurso também.
OBS: Depois (quando eu ficar menos enlouquecida com os concursos) posto aqui as últimas decisões do TST com comentários.
Bjs =*

quinta-feira, 27 de junho de 2013

O Domínio das Vargens

Autor: Dr. Vinícius Ferreira - Advogado

O status de proprietário traz ao cidadão um estado psíquico de tranqüilidade oriundo da segurança jurídica. Tal situação é tão impactante que o legislador constituinte colocou-a sob a égide constitucional elencando-o no art. 5°, em seu inciso XXII, in verbis: “é garantido o direito de propriedade”1, conferindo-lhe ainda a natureza de cláusula pétrea nos termos do inciso IV, § 4º, de seu artigo 60:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
(...)
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.

Logicamente, tal direito, notoriamente enraizado na manifestação de riquezas, relaciona-se com um tributo que, no caso de bens imóveis, podem ser o IPTU em áreas urbanas, ou o ITR, Imposto Territorial Rural, em localidades rurais.
A natureza, rural ou urbana da propriedade já foi objeto de análise no STJ estando este já pacificado no sentido de usar-se o critério material, levando-se em conta a destinação da propriedade, e não o formal, da pura e simples letra da lei.
Duas são as formas de aquisição da propriedade previstas no ordenamento jurídico, originária ou derivada. No caso em voga, deve-se esclarecer que, no caso dos bens móveis, a transmissão do domínio dar-se-á no momento da tradição, já no dos imóveis, com a transcrição do título aquisitivo.
Nosso ordenamento aduz expressamente tal necessidade no que tange os bens imóveis. O Código Civil de 2002 traz em seu art. 1.245 “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”.
Seu parágrafo primeiro mostra que, somente após o registro, o adquirente torna-se dono do imóvel pois, até então, o alienante o será: “§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”.
Resta óbvio que, por inúmeras vezes, o alienante, valendo-se da inexperiência do adquirente e da falta de orientação deste, usa de má fé registrando o negócio no Ofício de Notas que, por sua vez, expede a “Escritura de compra e venda” fazendo-o crer que já é proprietário do imóvel. Aproveitando-se de tal equívoco, o alienante o faz repetidas vezes até que algum dos adquirentes efetue o registro no R.G.I.
A ação de usucapião é oriunda do princípio da função social da propriedade que, por sua vez, consiste em um dos pilares do Estado Neo-feudal. Se a propriedade não possui destinação interessante, producente econômica ou socialmente, medidas deverão ser tomadas no sentido de se buscar o equilíbrio, naturalmente, dentro da dinâmica liberal.
Tal dispositivo consiste em forma originária de aquisição da propriedade em razão da posse mansa e pacífica desta. Para tanto, o legislador destinou o art. 183 da constituição, tamanha sua importância no ordenamento jurídico brasileiro:

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

A mesma redação é dada ao art. 1.240 do Código Civil vigente e complementada pelo art. 1.241:

Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1° - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2° - O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

Art. 1.241. Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel.
Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Deve-se observar que, apesar de obtida a sentença, esta, de natureza declaratória, constitui título hábil para o registro, continuando este sendo condição para a aquisição do direito de propriedade.
É de suma importância uma análise, ainda que superficial, dos chamados P.E.U.s, Projeto de Estruturação Urbana, de áreas no Rio de Janeiro como Vargem Pequena e Vargem Grande. As três ultimas legislações, Decreto 3.046/81; LC n. 79/06 e LC n. 104/09 (PLC 37/09), designam áreas mínimas para o parcelamento nessas regiões que vão de 360 m² a 10.000 m².
Não é difícil observar que, sendo a área máxima para o pleito da ação de usucapião especial urbano, de 250 m², inferior ao mínimo permitido para o registro de terrenos nestas localidades.
Diante desta situação, tal direito será inviabilizado por um indireto conflito de normas. O que mais traz assombro é o fato de uma lei municipal amputar a aplicabilidade de um direito constitucional.
Tal absurdo não é de forma alguma oriundo tão somente das férteis mentes acadêmicas, mas um desafio enfrentado diariamente nos tribunais como pode-se observar na decisão a seguir que julga procedente a ação que tem por objeto o direito de propriedade de um imóvel situado em Vargem Pequena, Rio de Janeiro:

(...) Quanto à impossibilidade de desmembramento da área onde se localiza o terreno em questão, tem-se que a ausência do desmembramento não é empecilho ao usucapião, modo originário de aquisição de propriedade, sendo perfeitamente possível reconhecer a propriedade da específica área objeto da presente ação, cabendo posteriormente à autora tomar as providências necessárias para o desmembramento do lote, a fim de obter a sua regular inscrição junto ao R.G.I.. Estão presentes, enfim, os requisitos legais que ensejam a aquisição do domínio. Em sendo assim, à vista do exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO formulado, declarando o domínio do  imóvel, como requerido na inicial, valendo a presente sentença como título para transcrição no Registro de Imóveis, ressalvadas as providências necessárias ao desmembramento. Após o trânsito em julgado, expeça-se mandado ao Oficial do Registro de Imóveis competente, para transcrição da sentença, uma vez satisfeitas as obrigações fiscais, nos termos do artigo 945 do Código de Processo Civil.(...) (PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA JÚNIOR - Juiz de Direito. Processo n° 99.001.094280-5)

A jurisprudência, apesar de tímida, já apresenta decisões, no caso supracitado, acórdão unânime, desconsiderando o dispositivo municipal face à óbvia inaplicabilidade da sentença:

ACÓRDÃO:
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível de n° 26.035/06, em que figura como apelante Denize Vieira do Prado e apelado Espólio de Manuel Gomes de Faria.
Acordam, por unanimidade de votos, os Desembargadores que compões a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em dar provimento ao recurso para determinar o registro da sentença declaratória de usucapião do Cartório de Registro de Imóveis sem qualquer ressalva.
Rio de Janeiro, 19 de setembro de 2006.
DES. MARIA HENRIQUETA LOBO
PRESIDENTE E RELATORA

Note-se que, no acórdão supracitado, decidiu-se no sentido de ignorar a norma municipal valendo-se da equidade para sustentar tal posicionamento. Apesar de frágil, somente o poder judiciário manifesta preocupação em relação ao conflito observado e tal prudência se dá tão somente pela obrigatoriedade de sanar os conflitos sociais que lhe são apresentados. Não obstante, fora dos tribunais, o Estado jaz inerte frente a tal situação. Deste modo, alguém que se encontre de posse mansa e pacífica há mais de cinco anos de um terreno de 250 m², perfeitamente enquadrado nos termos dos arts. 183 da CR, e 1.240 do Código Civil, apesar de conseguir a sentença deferindo o pedido, usucapindo o imóvel, chegando ao balcão, feliz, com a sentença nas mãos, não conseguirá efetuar o registro no Cartório.
Este cidadão, primeiramente sentir-se-á descrente da aplicação das leis, então questionará a efetividade das sentenças proferidas pelo poder judiciário choramingando seu sentimento de quem “ganhou, mas não levou”.
Por último, tomado pela cólera, bradará, em vão, que paga seus impostos.
Urge o dia em que o poder público descobrirá que a forma mais simples de se perder poder é criar normas sem aplicabilidade. Até lá, o adquirente, ciente de tal disparate, não buscará uma solução legal, mas optará, ou pela informalidade, ou por passar o problema adiante, vendendo o imóvel.

O problema da Triangulação Tributária

Autoria Conjunta da Drª Cristiana Maia e Dr. Vinícius Ferreira 
Publicado 16 de junho de 2011 na Revista Universitas: Relações Internacionais.


O Direito Internacional possui um escasso número de princípios e regras que o regem. Algumas dessas regras, previstas em tratados internacionais, tratam especificamente sobre o chamado Direito Internacional Tributário, visando, primordialmente, evitar o fenômeno da bitributação. Esses tratados são tidos como fontes do Direito Tributário Internacional e se assemelham a negócios jurídicos contratuais, valendo, em regra, somente entre as partes contratantes.
Os tratados de direito internacional em geral, possuem como base o princípio do pacta sunt servanda, que, por sua vez, está estritamente ligado à noção de boa fé. Atualmente, tal princípio está abalado, tendo de assumir novas matrizes e acepções distintas na tentativa de neutralizar o problema de equilíbrio internacional gerado entre os Estados pela formação de diversos centros econômicos próprios, os chamados blocos econômicos (SACHETTO, 2007).
Para tentar amenizar tal situação, parte-se da premissa da boa fé, a aceitação, em algumas situações, de que o Estado contratante seja compelido a seguir os parâmetros da comunidade internacional, uma vez que o outro Estado-Membro espera tal comportamento, conforme prevê o artigo 18º da Convenção de Viena  que protege a legítima expectativa entre os Estados fundada nos tratados internacionais (RUBISTEIN, 2006).
Esta perspectiva principiológica não se restringe ao direito internacional puro e simples. O direito tributário internacional enfrenta também o desafio de adequar-se às novas perspectivas geopolíticas.
Os avanços tecnológicos, sobretudo no que tange às telecomunicações, exigem um dinamismo cada vez maior. As barreiras geográficas são transpostas, resultando na constante necessidade de controle sobre o tráfego internacional, tanto de mercadorias como de pessoas. Tal realidade aduz a importância da constante modernização do sistema tributário internacional, precipuamente em relação aos chamados tributos sicofânticos, ou delatores.
Essa necessidade está ligada ao fato de haver uma dependência, na qual é fundamental a identificação de um elemento de conexão entre o fato tributável e o ente tributante (ROLIM, 2006; MOREIRA, 2006). Ocorre que, em âmbito internacional, temos diversos impasses, dentre eles as chamadas evasão fiscal, elisão fiscal, a situação da dupla tributação e da dupla não tributação, bem como o fenômeno da triangulação tributária.
O fenômeno da triangulação ocorre quando um produto é produzido em determinado país, no intuito de burlar leis anti-dump, embargos econômicos, ou aproveitar-se de políticas alfandegárias.
Gradativamente, são observadas notórias discussões oriundas do planejamento tributário nesse sentido. A constante luta entre o ente da administração e o contribuinte dá ensejo ao desenvolvimento de meios, objetivando a deturpação das normas fiscais, bem como a interpretá-las, permitindo a redução do peso econômico e tornando-as mais competitivas.
Para uma maior compreensão, faz-se necessário distinguir os conceitos de evasão e elisão fiscais. Ambos são meios de obter a redução no encargo tributário, no entanto, apesar de semelhantes, podem ser diferenciados mediante dois critérios: um cronológico e outro quanto à licitude dos meios empregados.
O primeiro critério, leva em conta o momento em que as medidas são tomadas. Se o for anteriormente ao fato gerador, trata-se de elisão e, conseqüentemente, o meio empregado é lícito. Caso contrário, ocorre a evasão e, por conseguinte, ilícito.
No caso da evasão, lançando mão de meios ilícitos como documentações falsas ou declarações deturpadas, o contribuinte emprega meio ilícito e, desse modo, evasivo. Com tal atitude, o sujeito passivo da relação lesa os cofres públicos e comete crime contra a ordem tributária; no caso de uma empresa migrar para outro Estado no intuito único de obter vantagem advinda de benefícios fiscais, tal manobra é ilícita, mas não consiste em fato típico. No entanto, ambas as hipóteses consistem em formas de elisão fiscal.
Outro fenômeno originário de tais relações que esbarra na evasão fiscal é a chamada dupla não tributação. Essa situação acontece quando um Estado entende que determinado tributo deva ser recolhido no país de origem enquanto outro entende de forma contrária. Assim, as leis fiscais de dois ou mais Estados não abrangem certo fato criando um vácuo fiscal, seja pela vontade dos Estados, quando eles estão ligados entre si por tratados tributários ou por composição de suas leis especificas, quando não estão conectados por qualquer tipo de tratado tributário (XAVIER, 2010).
Tal fenômeno pode ocorrer de diversas maneiras e, muitas vezes, atingir todo um bloco econômico. No caso do Mercosul, trata-se mais de uma União Aduaneira do que propriamente um Mercado Comum; no entanto, tal construção não deixa de emanar diversos efeitos na ordem jurídica tributária de seus Estados-Membros.
À época de sua formação, a preocupação primordial era simplesmente de eliminar as tarifas aduaneiras entre tais países; porém, para viabilizar um comércio mais intenso em um bloco econômico era necessário que estes adotassem um único regime de tributação, seja este baseado na origem ou no destino dos produtos e serviços.
No Mercosul, foi instituído o regime de tributação no destino, norma essa prevista no art. 6º da Decisão CMC nº 10/94 , o que significa que os produtos somente poderão ser tributados no país da importação. Além dessa instituição para viabilizar uma união aduaneira, é necessário que haja uma proibição de superonerosidade de certos produtos importados de um Estado-Membro em relação aos produtos nacionais. Em tal atmosfera, há o ambiente ideal para o desenvolvimento dessas questões.
O instrumento jurídico utilizado para a vedação desse tratamento discriminatório está previsto no artigo 8º, “d”  e no artigo 7º  do Tratado de Assunção. São as chamadas cláusulas da nação mais favorecida e de tratamento nacional, respectivamente.
A cláusula da nação mais favorecida, em linhas gerais, determina que o produto originário de um Estado-Membro receba o mesmo tratamento tributário que o outorgado ao produto de qualquer outro país membro.
Já a cláusula do tratamento nacional possui como finalidade eliminar as desigualdades de tratamento entre os produtos nacionais e originários dos Estados-Membros. Ou seja, enquanto a cláusula da nação mais favorecida requer o tratamento igual entre diferentes Estados, a cláusula do tratamento nacional exige que os produtos importados de Estados-Membros tenham o mesmo tratamento tributário dos produtos domésticos, sendo que esta última pode ser aplicada, em teoria, antes ou depois do desembaraço aduaneiro. Deve-se destacar que a segunda forma de aplicação é a mais comum, como se pode notar na previsão contida no artigo III do GATT.
A cláusula do tratamento nacional no Mercosul é muito mais ampla que a prevista no GATT, implicando dessa forma, em uma maior proteção contra os encargos aduaneiros discriminatórios.
A cláusula do tratamento nacional no GATT e na Comunidade Europeia restringe sua aplicação aos tributos indiretos, pois estes últimos são pagos pelo usuário final. Já no Mercosul há uma pequena controvérsia quanto à redação do artigo 7º, posto que este expressamente limita sua aplicação aos produto, não mencionando sua aplicação quanto aos serviços, juros, royalties, dividendos e outros fluxos de capital. Como os tributos diretos não são aplicados especificamente aos produtos, fica difícil detectar uma eventual discriminação. Dessa forma, há quem defenda que a cláusula do tratamento nacional no Tratado de Assunção tem seu âmbito limitado somente a tributos indiretos (PEREIRA, 2005, p. 174-176).
Essas regras gerais desenham o escopo da problemática da triangulação tributária, as quais acabam por criar um efeito de barreira tarifária para os demais países não membros de tais blocos econômicos, como pode ser observado nos chamados casos de exclusão de produtos importados (exclusion des produits importes directement de pays tiers). Esses casos tratam da situação na qual um produto importado de um Estado-Membro e um importado de um Estado não membro gera um efeito de barreira tarifária para o produto do Estado não membro do bloco econômico em questão (TORRES, 2005).
Deve-se atentar para a situação do Chile, associado ao Mercosul, e dos Estados Unidos da América, signatário do NAFTA.
Em 1996, o Chile celebrou acordo com o Mercosul e, desde então, apesar de não fazer parte do bloco como Membro, é beneficiado com as vantagens alfandegárias advindas do pacto. No entanto, não fica impedido de também o ser com acordos tarifários com outros países como, por exemplo, os Estados Unidos.
A economia chilena não passa de 9% da brasileira, entretanto, representa 40% da argentina. Não obstante, em razão de tais pactos, as exportações americanas para o Chile superam mercados de países com proporções continentais como a Rússia e a Indonésia. Ao passo em que a República do Chile exporta mercadorias, como vinhos, com preços muito competitivos para o pujante mercado americano, países como a Argentina, signatários do Mercosul, são prejudicados como no caso da produção de laranja brasileira que enfrenta sérias dificuldades advindas do protecionismo americano.
De forma alusiva ao que ficou conhecido como O dilema do prisioneiro, três possibilidades se apresentam.
Primeiramente, o Mercosul que intenta a adesão do Chile e da Bolívia, paralelamente, os Estados Unidos buscam a implantação da ALCA, obviamente sob sua liderança. Nesse compasso, o Chile torna-se o principal foco do impasse, a terceira possibilidade. Apesar de, à primeira vista, parecer paradoxal, tal situação acarreta uma estabilidade que favorece justamente esse país. Vestindo a roupagem de objeto de barganha política, o Chile simplesmente se mantém neutro, aproveitando-se da situação que, por fim, acaba por lhe ser favorável.
No caso da triangulação, é possível imaginar a hipótese de uma empresa chilena importar um produto eletrônico americano, fazer-lhe pequenas alterações, inserir-lhe uma etiqueta com os dizeres made in Chile, e comercializá-la nos países do Mercosul sem os mesmos encargos tributários. Tal empresário, utilizando meios fraudulentos, conseguirá uma competitividade muito maior do que os produtos americanos vendidos nos outros países e a mesma qualidade.
O mesmo ocorre com a simples montagem do produto em zonas de livre comércio como a de Manaus e a da Terra do Fogo. Porém, a CAMEX já se manifestou no sentido de regulamentar as relações comerciais em suas portarias números 63 e 80 de 2010, ressaltando a necessidade de se observar o país de origem das mercadorias.
Aplicando-se tal realidade à Teoria dos Jogos, ocorre a aplicação infeliz do Equilibrio de John Nash. Em uma disputa envolvendo dois ou mais participantes, nenhum tem a ganhar mudando sua estratégia unilateralmente. Nesse caso, a relação estaria equilibrada de modo que, tanto o Brasil quanto os EUA conseguem se beneficiar. Entretanto, quem mais sai lucrando com isso é o Chile que se beneficia de ambos os lados.
Deve-se atentar ainda quanto ao pujante crescimento da China que, hoje, já ocupa a segunda posição no ranking das maiores economias do mundo. Acordos com Brasil já vêm sendo firmados de modo que o Mercosul já não reflete uma prioridade nem mesmo para aqueles que o lideram.
A influência estadunidense permeia a integração dos países que, como no caso do Chile, preferem a estabilidade promovida pelo impasse a definir uma posição.
Na luta pela liderança, Mercosul e NAFTA disputam com “unhas e dentes”, buscando sempre uma maior influência política. A predominância no mercado sul americano continua despertando o interesse, tanto do Brasil e dos Estados Unidos quanto da China, que cada vez mais reflete a necessidade de se reverem os conceitos aduzidos pela geopolítica, sobretudo, no que tange aos paradigmas bilaterais baseados na teoria dos jogos.

O Futuro Mercosul

Autoria Conjunta das Drªs Cristiana Maia e Caroline Debatin
Publicado 16 de junho de 2011 na Revista Universitas: Relações Internacionais.

Com o fim da Guerra Fria e a conseqüente ascensão dos Estados Unidos ao status de potencia mundial, surgiu à necessidade de uma maior integração internacional por parte dos demais países, como forma de proteger suas economias e adquirir maior potencial competitivo.

Neste diapasão, foi criado o MERCOSUL, que consiste em um bloco econômico que tem como principal objetivo a livre circulação de mercadorias e o estabelecimento do compromisso, por parte dos países membros, de harmonizar suas legislações para lograr o fortalecimento deste processo de integração.
O processo de integração nada mais é do que a cooperação entre países, que são, via de regra, geograficamente próximos ou possuem algum tipo de afinidade (cultural e/ou comercial), com o fim de mitigar as barreiras econômicas existentes entre os mesmos, viabilizando, desta forma, a livre circulação de mercadorias, pessoas e capitais e, por conseguinte, aumentar a competitividade destes Estados no cenário internacional.

Com o fenômeno da globalização, torna-se absolutamente necessária a cooperação entre países no âmbito econômico mundial, uma vez que, isolados, não conseguiriam se firmar no atual sistema capitalista.

O MERCOSUL é composto por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, tendo sua origem no Tratado de Assunção, celebrado em 1991. No advento de sua criação, o tratado possuía primordialmente uma finalidade econômica.

Em 2002, com o “acordo sobre Residencia para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL", o tratado ganhou uma maior abrangência, dispondo acerca da circulação de pessoas nos países pertencentes ao bloco, demonstrando uma tímida intenção de aprofundar as relações integracionalistas entre os Países membros.

Tal objetivo secundário pode ser visto, inclusive, na Constituição Brasileira de 1988, conforme está disposto no artigo 4º em seu parágrafo único , bem como no próprio Tratado de Assunção em seu artigo 1º, quando trata da intenção dos Países Membros de acelerar um processo de integração entre eles.

Atualmente, o MERCOSUL encontra-se numa fase de transição, na tímida tentativa de aproximar-se da bem sucedida União Européia. Porém ainda falta um longo percurso até que tal objetivo se concretize, sendo marcado por diversas crises sejam estas no âmbito econômico ou  político mundial.

Com o advento da última crise econômica, muitos consultores defenderam a idéia de que uma renovação mais radical do MERCOSUL seria a solução para evitar que os efeitos dessa crise econômica mundial de 2008 o atingissem de uma forma irremediável , posto a existência de diversas peculiaridades na formação do MERCOSUL.

Deve-se lembrar que a grande diferença econômica entre os países membros do MERCOSUL o enfraquece como bloco integrado, gerando diversos problemas internos como a impossibilidade da adoção de uma moeda única. Um exemplo desta disparidade é o fato de que o MERCOSUL possui um PIB de três trilhões de dólares, sendo que 70 % desse valor corresponde ao Brasil. Tal assimetria, por vezes, levou os demais países do bloco a adotarem medidas restritivas ao comércio, como as salvaguardas, a fim de proteger suas economias em relação ao Brasil, medidas estas vetadas pelo Tratado de Assunção por descaracterizarem o fenômeno do bloco econômico.

Tal enfraquecimento é visto especialmente em momentos de crise, como a que assolou o Brasil e a Argentina em 1999, gerando desemprego e recessão, os países economicamente mais fracos são levados a adotar medidas protecionistas. No caso da crise de 1999, o governo argentino chegou a regulamentar um sistema de salvaguardas que seria também aplicável aos demais países do MERCOSUL. Tratava-se da resolução nº 911, geradora de uma rápida reação por parte do governo brasileiro, tendo este buscado  apoio dos demais países do bloco para suspendê-la.
Outro ponto contundente que merece destaque é a falta de equilíbrio na atuação das relações comerciais dos estados membros do MERCOSUL, onde temos o Brasil e a Argentina muito atuante, enquanto os demais países possuem intercâmbio comercial bem menor, tornando, desta forma, certos acordos internos desvantajosos para estes últimos, afastando o bloco de seus objetivos originais como a adoção de uma moeda única e uma maior harmonização entre países membros.
Tais problemas, somados à tradicional inércia do MERCOSUL em relação a mudanças concretas em suas políticas, deixam em dúvida sua capacidade de, um dia, atingir os objetivos aos quais se propôs em sua criação, em especial no que concerne à integração efetiva entre os países da América Latina, como acorreu na União Européia.
Pode-se dizer que a utopia de uma união interamericana tem origem no processo de formação dos Estados Unidos da América. Com a proximidade geográfica entre os Estados europeus e sua integração tornou-se possível fomentar o sentimento de identidade européia. Aquele que antes era português, espanhol ou alemão, apesar de ainda o ser, tornou-se também europeu.
Diferentemente, os países americanos não se permitiram tal adjetivação, tanto pela necessidade de identificarem-se com seus próprios países de origem quanto pelo lema estadunidense A América para os americanos. Diante da exportação maciça da cultura estadunidense, o termo americano tornou-se um adjetivo inerente apenas aos de nacionalidade estadunidense. Tal fenômeno incentivou a segregação do Continente Americano em três. Os colonos que saíram da Europa e foram para a América do Norte deram origem ao povo que, ao se revoltar contra o domínio inglês e tornar independentes as treze colônias intitularam-se americanos, muito se diferenciando da independência dos países da America Latina.
O processo de independência dos Estados Unidos da América deu-se mediante a chamada Guerra de Independência e, em 1776, este já era um país independente. Entretanto, não seria incorreto afirmar que antes disso já se falava em uma cultura americana. Foi justamente isso que possibilitou a união das Colônias contra o domínio Britânico.
Os países americanos levaram em torno de duzentos anos para conseguir a total independência política da Europa.
Na America Latina, pode-se dizer que tal processo foi marcado pela peculiaridade com que cada país conquistou sua independência, sob a névoa do iluminismo no século XVIII. O Suriname, último país a fazê-lo, só o conseguiu em 1975. No entanto, foi somente após a Revolução Francesa que este processo de descolonização mostrou-se mais intenso.
Embora a União Européia tenha sido a inspiradora do MERCOSUL, existem diferenças profundas entre as duas organizações. Pode-se dizer que o MERCOSUL encontra-se em um estágio anterior ao da União Européia, preconizando a instituição de um mercado comum, por meio de uma união aduaneira e da livre circulação dos bens e das pessoas, enquanto a União Européia preconiza uma união econômica e monetária, além de ter concretizado uma integração econômica e política. Outro ponto que difere esses dois blocos econômicos foram os fatores que levaram à associação. Enquanto na Europa tal associação se deu devido à conjuntura do pós-guerra, no Cone Sul tal se deu devido à necessidade de globalização e interdependência .
Por fim, outro ponto que culminou no sucesso da integração européia, diferentemente do MERCOSUL, foi o fato de haver uma menor heteronímia sócio econômica entre os estados partes. Tal realidade permitiu uma prosperidade nunca experimentada pelo bloco sul americano que, até o presente momento, enfrenta dificuldades em razão da atual presença dos focos ditatoriais em países como Bolívia e Venezuela, impedindo uma maior integração entre estes países e o Bloco.
O processo de integração pretendido pelo MERCOSUL só poderá se concretizar quando os Estados membros alcançarem uma harmonização da vontade política, cooperação e participação de todos os setores envolvidos, em razão de serem as economias dos países-membros economias concorrentes.
Desta forma, surge a dúvida se essas sucessivas crises que vêm atingindo a America Latina não irão influenciar em uma possível involução do MERCOSUL, visto que este está estruturado em um sistema democrático de governo de fraca influência política, e, ao mesmo tempo seus Países Membros estão cercados de formas de governo ditatoriais em seus países visinhos.
Tal perspectiva, ou a falta dela, cria grande insegurança. Os Estados que compõem a America do Sul veem-se diante da escolha entre um imperialismo brasileiro ou estadunidense.
A inaptidão dos países sul americanos para a democracia torna-se cada vez mais evidente e uma coexistência como a européia requer um sentimento de americanismo que, até o momento, inexiste.
Diferente da União Européia, o MERCOSUL encontra-se marcado pela diferença cultural e econômica. De um lado, há dois países de proporções continentais enquanto que, do outro, há outros dois pequenos vizinhos, tanto econômica quanto geograficamente.
Na esperança de um futuro para o MERCOSUL, a integração é um grande desafio, que engloba questões muito mais profundas do que a proximidade geográfica e o idioma. Devem ser observadas as ideologias políticas, metas econômicas e, acima de tudo, o respeito às diferenças de cada Estado, sem o predomínio de imperialismos protecionistas.